16 de março de 2018

10 Coisinhas sobre o Vietnam

Não tenho a pretensão de, em apenas 20 dias de viagem a um país, afirmar qualquer coisa sobre o país, seu povo, seus hábitos, sua cultura. É muito pouco tempo para tanta coisa a aprender, sentir, descobrir. Então, trago apenas fragmentos do pouquinho que percebi, vi, senti nesses dias, numa viagem há muito sonhada e esperada. Mas como em todas as viagens, cada um é cada um... esse é um pouquinho do "meu" Vietnam...

Gente, muita gente...
1) Os vietnamitas. Como é comum nos países da Ásia, o Vietnam tem muita gente. A densidade populacional do país é 10 vezes maior do que no Brasil. É muita gente, muita gente mesmo. E embora haja grandes variações de perfil nos vietnamitas de norte a sul, incluindo as minorias étnicas, o povo de maneira geral é encantador. São gentis, educados, atenciosos e carregam sempre um sorriso que parece absolutamente genuíno. Em alguns locais mais simples, hotéis ou restaurantes, o serviço deixa a desejar, por mera falta de treinamento, mas são todos tão agradáveis que é impossível se aborrecer. Lingua, costumes, hábitos, preferências, tudo é muito diferente, mas nada chega a ser obstáculo. Nas regiões de minorias étnicas que tive oportunidade de conhecer, as diferenças são maiores mas a gentileza não é menor. Ali, percebe-se, ainda que sem entender muito, um conjunto de práticas, costumes, relações familiares e sociais bastante próprias. Em alguns desses lugares, menos frequentados por turistas, ocidentais ainda são curiosidade. Especialmente para as lindas e encantadoras crianças vietnamitas. Não foi por acaso que Angelina Jolie visitou o país e decidiu adotar uma criança. São cativantes, risonhas, desarmadas e absolutamente não contaminadas por essa perversa faceta do turismo de massa nos países pobres que transforma cada criança em pedinte profissional. Delícia interagir com elas. 

Sempre crianças...














Pedir o que?
2) A língua. Como fácil imaginar, o vietnamita e o grego são muito semelhantes em seu alfabeto ilegível, suas palavras incompreensíveis e sua pronúncia irrepetível. Desisti de tentar ir além do trivial. O inglês, por sua vez, é pouco falado na maior parte dos lugares, exceto em alguns hotéis, lojas e restaurantes um pouquinho acima da média. A comunicação não é sempre fácil. Me aborreci um pouquinho com isso apenas até o momento em que me dei conta de que é mais fácil um turista se comunicar em inglês no Vietnam do que no Brasil.  Continuamos sendo o país do futuro no turismo. As dificuldades no Vietnam eram facilmente vencidas com um misto de boa vontade, gestos, sorrisos, cardápios traduzidos em inglês, alguns com fotos dos pratos, e o apoio inestimável da tecnologia que possibilita a qualquer celular se transformar num tradutor instantâneo ou buscar fotos e imagens do que se quer comunicar. A maior - e mais divertida - dificuldade foi num restaurante em que o cardápio não existia em inglês, não havia fotos e os atendentes falavam inglês pra lá de precário. Mas não deu pra passar fome. 


3) O trânsito. O trânsito no Vietnam é um capítulo à parte da viagem. A impressão que se tem é que simplesmente não existem regras. 80% do trânsito é de motociclistas, para os quais não existem sinais de trânsito, mão ou contra-mão, idade (qualquer adolescente tem uma moto) e para os quais as calçadas são extensão das ruas. Uma moto carrega frequentemente uma família de quatro pessoas, dois adultos e duas crianças. Também carregam cargas, nos volumes e pesos mais inimagináveis que se poderia conceber para uma moto. Ao contrário do que se vê em outros países da Ásia, não há os famigerados tuk-tuks, mas motos e bicicletas (daquelas com um assento na frente) fazem também o papel de “táxis”. Atravessar uma rua é sempre um momento de stress, porque há que se olhar para as calçadas e para os dois lados, mesmo em vias de mão única. Sinais de trânsito são raros e valem para apenas um lado nas ruas de mão dupla. Mas nem adianta muito, porque as motos não param nos sinais de qualquer maneira. Depois de algum tempo, você começa a perceber que  existem “regras não escritas” que, de alguma forma, funcionam, a ver pela pequena quantidade de acidentes comparada com o que eu esperaria desse caos. E no fim você até começa a aprender algumas dessas regras não escritas como estratégia de sobrevivência para atravessar as ruas. 





Saúde pública? o que é isso?
4) Comida. Embora bastante diferente da brasileira, a comida não chega a assustar (exceto por um pratinho de grilos fritos que me ofereceram num ponto da viagem ;-). Muito arroz, macarrão, sopas, legumes e verduras. As frituras predominam. Ao contrário de países como Índia e Tailândia, o “picante” chili vietnamita é bem aceitável pro gosto brasileiro. Duas coisas que adoro, gengibre e capim limão, estão presentes em muitos dos pratos do Vietnam. Há também muitas frutas, conhecidas e exóticas. Mas o que chama mesmo atenção nesse capítulo é a comida de rua. Nas ruas, calçadas, mercados, todos os tipos de comida são possíveis de serem apreciadas, cheiradas, experimentadas. Elas podem parecer cheirosas ou convidativas de acordo com o olhar, fome, gula ou padrão de higiene do freguês. Houve momentos em que fiquei seriamente tentado a experimentar alguma dessas iguarias mas minha mãezinha, lá de cima, me beliscava e acabei resistindo, algumas vezes com água na boca. Vendo o que acontece na rua, o melhor é não pensar no que acontece dentro das cozinhas fora do alcance da vista. As calçadas, quando não ocupadas por motocicletas estacionadas ou em trânsito, servem como extensão de algumas biroscas bem estabelecidas, seja para funcionar como cozinha, para lavar as louças ou, principalmente, para os fregueses se sentarem em banquinhos e mesas de tamanho infantil. No Vietnam, calçadas são lugares raramente ocupados por pedestres.

A melhor parte do grilo frito é o molho ;-)





5) Bebidas. Para quem não sabe, o Vietnam é o 2o maior produtor mundial de café. Isso significa que o café é tomado abundantemente, de diversas formas, em qualquer lugar, na calçada, na rua, em charmosos cafés, em grandes cadeias locais, ou até mesmo no famigerado Starbucks. O chamado “café vietnamita” é preparado na mesa, com um dispositivo de alumínio que faz o papel de filtro colocado sobre um copo com leite condensado no fundo. Frequentemente é tomado gelado o que, na maior parte das vezes, significa apenas despejar umas pedras de gelo no café depois de pronto. Um tipo especial de café, considerado um dos mais raros e caros do mundo é produzido fazendo os grãos de café passarem pelo sistema digestivo de um animal parecido com a nossa doninha (weasel), saindo no fim do processo como se bosta fosse, e com um sabor dito “especial”. Nesse processo, há denúncias de muitos maus tratos a esses animais. Como café não é minha praia, eu recorria sempre aos bons chás verdes ou de gengibre. No mundo do álcool, as cervejas locais imperam, geralmente com denominação da cidade ou região onde são produzidas. Os vinhos importados são de alto custo e pouco benefício. Por curiosidade antropológica, experimentei o vinho local, que se mostrou previsivelmente muito ruim.




6) Massagens. As massagens asiáticas e orientais são uma tradição cultural na qual o Vietnam não fica atrás. Embora essas massagens sejam vistas com certa desconfiança no Brasil, especialmente devido à fama das massagens com “final feliz” em alguns estabelecimentos da Tailândia (a famosa “massagem tailandesa”), tive ótimas experiências com massagens no Vietnam. Movido pelo meu gosto pela massagem e pelos apelos da minha coluna bichada, tive uma massagem em quase todas cidades que visitei, em algumas mais de uma vez. Procurei sempre me informar sobre a qualidade dos locais em que ia e a única oferta de “final feliz” - não aceita - que recebi foi no spa do próprio hotel em que estava, depois de encontrar fechado o local recomendado que eu procurava. Recebi massagens altamente profissionais e eficientes, em ambientes limpos, agradáveis, precedidas e sucedidas por um delicioso chá, pela bagatela média de U$ 20, algumas bem menos do que isso. Me senti inseguro com algumas manobras que me viravam do avesso ou quando sentia aqueles delicados pezinhos caminhando sobre as minhas costas, mas felizmente sem consequências que não a absoluta sensação de leveza depois das massagens. Os “spas” (ou o que eles assim chamam) abundam em todas as cidades, a cada esquina, com preços ainda mais baratos (U$ 10 era comum) mas evitei entrar em frias. Mas com uma massagem a U$ 10, não surpreende mesmo que, tanto para alguns ocidentais que recebem quanto para algumas vietnamitas que fazem a massagem, seja tentadora a opção de “serviços extras”. Para eles, esse dinheiro adicional vale muito pouco. Para elas, é muito mais do que a pequena margem do preço da massagem que lhes é oferecida pelo spa. 

7) Dinheiro e custos. É fácil se sentir um milionário no Vietnam. Pra começar não existem moedas, a nota mais baixa é de 1000 dongs (cerca de R$ 0,15) e a mais alta de 500.000 dongs (cerca de R$ 70,00). Bastava assim sacar algum dinheiro no caixa para eu estar milionário. No começo foi difícil me acostumar a esses números tão altos. Depois, fui pegando as manhas, tendo noção de preços e de valores das coisas. De maneira geral, tudo é muito barato no Vietnam. As vezes ridiculamente barato, tanto para serviços quanto para produtos, e você se pergunta como isso é possível. Uma boa refeição por R$ 20 era comum. Hotéis adequados - 3 estrelas - por R$ 100-150, alguns deles charmosos e excelentes em serviços e infraestrutura. Esses preços subiam em lugares mais turísticos ou nas duas cidades grandes, Ho Chi Minh (Saigon) e Hanoi, mas quando eu me via reclamando que o preço de uma latinha de cerveja que comprei por 20.000 dongs estava por 40.000, me dava conta de que ao invés de 3 reais, estavam me cobrando 6 reais, e isso num lugar considerado caro. Ou quando reclamei da massagem por U$ 25 num lugar mais chique até me dar conta de que estava pagando R$ 80 por uma excelente massagem num local top. Enfim, muito barato viajar no Vietnam. Paga facilmente o custo da passagem. 

Nike, North Face, Mizuno... todas as "boas marcas!
8) Compras. A ideia de propriedade de marca ou de direito autoral não chegou ainda ao Vietnam (como seria de se esperar em um país que faz fronteira com a China e que esteve por muitos anos sob domínio chinês). Em qualquer loja você pode comprar roupas, relógios, óculos e eletrônicos de marcas famosas por um décimo do preço que pagaria no Brasil. Em alguns casos, as imitações são assustadoramente semelhantes e de qualidade bem superior ao que você esperaria encontrar num produto desse. Algumas lojas chegam à ironia de chamar de “original” uma cópia feita com qualidade e de “similar” a cópia mal feita (a “genérica”, na nossa linguagem). O artesanato, nas ruas e mercados, como se tornou comum no mundo inteiro, parece sempre o mesmo. Aqui, não tem milagre: você leva o que paga em termos de qualidade, durabilidade e origem. Mas procurando e se informando bem, descobrem-se marcas locais vietnamitas que oferecem produtos, roupas e artesanato, de boa qualidade, geralmente associadas a organizações que promovem princípios de “comércio justo”, onde boa parte dos lucros vai para as comunidades ou para os próprios artesãos. Isso acontece particularmente com as minorias étnicas, que são muitas no Vietnam, ou com cooperativas de pessoas com algum tipo de deficiência (também muitas no Vietnam). Os preços são um pouquinho maiores do que você  encontra na rua ou nos mercados, mas vale a sensação de comprar uma peça diferenciada, com mais qualidade e cuja receita vai ser melhor dirigida do que se fosse para grandes falsificadores ou produtores de artesanato de massa. 

9) A guerra. Para a minha geração, e para as anteriores também, é difícil dissociar a imagem do Vietnam da imagem de guerra. Lembro de minha mãe me dizendo “meu filho, que ideia essa sua de querer viajar pra um lugar que só tem guerra”. A associação é natural. Não apenas porque foi, de fato, mais uma guerra sórdida e sem sentido, como também porque os filmes de Hollywood fizeram questão de até hoje nos mostrar e lembrar. Lembro-me, entre outros, de filmes das décadas de 70, 80, como Apocalypse Now, Platoon, Good Morning Vietnam. Usando um clichê, o Vietnam saiu da guerra, mas a guerra não saiu ainda do Vietnam. Não apenas as memórias estão bem vivas, e há museus e locais para lembrar disso, como os efeitos da guerra sobre o país, mesmo saindo dela vencedor, são visíveis de diversas formas. As crianças brincam nas ruas com réplicas de tanques de guerra americanos. Alem dos feridos de guerra e dos atingidos até hoje por explosões de minas terrestres, os efeitos da criminosa guerra química promovida pelos americanos são visíveis na enorme quantidade de pessoas com algum tipo de deficiência física. Apesar de alguma ajuda internacional e de organizações não-governamentais, o país está pouco preparado para lidar com essa grande massa de cidadãos. O meio ambiente também pagou sua taxa à guerra. Bombas e agentes químicos - napalm e agente laranja, em especial - não apenas mataram e feriram gente, mas também destruíram florestas e habitats, e extinguiram ou puseram à beira da extinção espécies de plantas ou animais, danos irreversíveis ou muito grandes para reverter em curto prazo. Como tudo na vida, a história tem varias verdades. No caso de uma guerra, prevalece a verdade dos vencedores. Há muito que se fazer para entender ou compreender uma guerra como essa, e foi muito interessante conviver e conversar, no mesmo grupo, com dois americanos em torno dos seus 70 anos. Um, veterano de guerra, esteve na guerra do Vietnam com 20 e poucos anos. Parecia triste e incomodado com tudo que via e ouvia e dele ouvi frases como “naquela época nós de fato acreditávamos que era a coisa certa a fazer” ou “o pior é que estávamos no Vietnam a pedido deles e somos agora referidos como ‘o inimigo’ “.  Ao mesmo tempo, o outro americano contava como, com seus mesmos 20 e poucos anos, durante a guerra participava, como jovens em todo o mundo, de manifestações nos EUA contra a guerra, com slogans e frases de efeito contra os americanos e a favor do Vietnam. Seja qual for a “verdade”, difícil enxergar algum sentido na ideia de guerra. Entrar em contato com essa parte da história do Vietnam foi uma parte necessária mas muito dolorosa e sofrida da minha viagem. 


10) TET, o Ano Novo Lunar. O início da viagem ao Vietnam coincidiu com o TET, a celebração do Ano Novo Lunar, a data mais importante do calendário do Vietnam. No Brasil, seria como celebrar ao mesmo tempo o Natal, o Ano Novo e todos os aniversários da familia, uma vez que é no TET que as pessoas ficam um ano mais velhas, e não no dia em que nasceram. Todas as famílias se reúnem na esperança de renovação e de bons tempos no ano que se inicia. É um momento de virar a página: pagar as dívidas, limpar e decorar a casa, usar uma roupa nova, cortar o cabelo. As crianças recebem um envelope vermelho com um “dinheiro da sorte”. O primeiro hotel em que me hospedei me deu um envelope desse. São três dias de feriados oficiais, mas os ritos e as celebrações acontecem vários dias antes e depois da data do Ano Novo. É um longo período essencialmente de festa para os vietnamitas, o que cria alguns probleminhas para o turista. Como todo mundo viaja para ver as famílias, transportes locais são difíceis. Muitas lojas fecham. Hotéis e restaurantes trabalham com staff reduzido e, mesmo assim, pagando salários bem mais altos para os poucos que ficaram. Por isso, quase todos hotéis e restaurantes cobram adicionais de até 20% a mais em suas contas. A parte divertida disso aconteceu num restaurante em que a garçonete, visivelmente nova e inexperiente no serviço, recomendou timidamente que eu comprasse água no mercadinho do outro lado da rua, porque seria muito mais barata do que o extorsivo preço cobrado pelo restaurante naquele dia. Apesar de tudo, foi ótimo estar no Vietnam nesse período. As grandes cidades são decoradas com ruas inteiras tomadas por flores e as crianças divertem-se sem preocupação, o que foi possível apreciar em Saigon já no primeiro dia de viagem.