30 de julho de 2000

Praga, República Checa - Julho de 2000

Para não perder algumas milhas que estavam por expirar, resolvi passar quatro dias em Praga, num momento em que eu devia estar mais concentrado nas minhas dissertações do fim do meu mestrado. Achei que nem conseguiria, porque conseguir o visto para a República Checa em Londres foi extremamente complicado: recebi o meu passaporte na manhã do dia em que havia marcado minha viagem, quando eu já estava quase desistindo. O stress compensou. Praga é uma cidade maravilhosa, a despeito das insuportáveis hordas de turistas, ainda maiores no verão. A cidade tem um importante papel em vários episódios históricos, em particular a primeira e a segunda guerras mundiais, com uma riqueza cultural que se manifesta numa arquitetura belíssima, em alguns grandes nomes da literatura e em um espetáculo de artes que explode por todos os cantos da cidade: música, teatro, ópera, marionetes.

Há teatros belíssimos, como o Estates Theatre, onde Mozart encenou pela primeira vez sua ópera Don Giovanni em 1787. Eu não podia perder a chance de assistir a mesma ópera mais de 200 anos depois, mas desta vez, para minha surpresa, o artista principal, o barítono que fazia o papel de Don Giovanni, era nada mais nada menos que um autêntico pernambucano, cujo nome provavelmente jamais foi ouvido no Brasil. Além dos teatros, todas as igrejas oferecem belíssimos concertos de música sacra e assistir a um deles é uma experiência inesquecível, até mesmo porque tanto o órgão quanto a soprano que o acompanha ficam escondidos em algum lugar no alto da igreja e você apenas sente a música invadindo aquele ambiente que parece ter sido desenhado para isso.

Praga tem, naturalmente, os pontos turísticos que acabam sendo necessariamente visitados. Contudo, o grande barato da cidade é andar pelas ruas, meio sem rumo, se perdendo, de preferência nas ruas menos movimentadas, longe do fluxo turístico. Cada esquina revela um prédio ou uma casa diferente, um teatro, uma praça, um jardim. O cuidado com que a cidade é mantida, o estado de conservação dos prédios, a beleza dos inúmeros jardins da cidade, a paz do rio que corta a cidade, a chance de parar num banquinho da praça e ficar esperando a banda passar, tudo isso é garantia de prazeres e curtições não descritos nos guias de viagem.

Naturalmente, toda essa beleza tem um preço. Praga é hoje uma das cidades mais turísticas do mundo. No início, cheguei a compará-la com cidades altamente exploradas pelo turismo como Paris, Roma, ou até mesmo Londres. Depois, percebi que há uma diferença fundamental. Enquanto essas cidades possuem vida própria, independente dos turistas, Praga, por ser muito menor, dá a impressão de que está existindo apenas em função do turismo. Embora a infra-estrutura turística seja invejável, o fluxo de turistas chega a ser irritante em alguns momentos. Ao contrário de Paris, Roma ou Londres, em Praga os concertos e shows não foram feitos para a população local, mas para as hordas de turistas que a invadem. A chance de encontrar um morador de Praga em um desses eventos é próxima de zero.

Nas ruas, o comércio é quase todo de lojinhas de souvenirs, espalhadas uma ao lado da outra, vendendo bonecas, marionetes, canecas de chopp, cristais checos, tudo a preços exorbitantes. No centro principal da cidade, todos os lugares são muito barulhentos, difícil andar nas ruas estreitas repletas de turistas se esbarrando. Nas mesmas ruas, para vender os ingressos dos concertos, dezenas de palhaços vestidos de Mozart esforçam-se para desovar os seus estoques e posam para fotografias ao lado dos deslumbrados japoneses. A maior parte dos turistas viaja em grupos enormes, sempre seguindo sofregamente algum guia que balançava intrepidamente a sua sombrinha amarela ou vermelha. Os restaurantes e bares, sempre caríssimos, exploravam o fato de que ali era o lugar onde Mozart encontrava inspiração ou onde Kafka começou a escrever “O Processo” ou o local que Kundera descreveu em “A Insustentável Leveza do Ser”. Não surpreende que a qualidade da comida, nesses lugares, sempre deixasse a desejar.

O que mais me chamou a atenção foi a quantidade de turistas brasileiros, o que eu não vinha encontrando em alguns dos lugares recentes que andei visitando. Isso confirmou minha impressão de que os brasileiros, de maneira geral, não se dispõem a desbravar lugares novos, ainda pouco explorados pelo turismo. Em geral, visitam os lugares quando eles já são descobertos pelas massas. Há cerca de cinco anos atrás, eu podia contar nos dedos os meus conhecidos que já haviam visitado Praga. Praga é agora a cidade da moda e já faz parte dos planos da maior parte dos brasileiros que visitam a Europa.

Nada disso, porém, tira a beleza da cidade. Sempre há um jeito de fugir do circuitão turístico. Há sempre a chance de se perder em ruelas que revelam belezas tão admiráveis como as dos principais pontos turísticos. Há sempre a chance que tive de ficar num hotel fora do centrão e usar o eficiente sistema integrado de transportes públicos da cidade (metrô, ônibus e bondes elétricos), esse sim, destinado à população local e uma divertida aventura quando não se domina a língua tcheca. E dá ainda para passear pela Petrin Hill, um lugar presente na obra de Kundera, que reservei para uma deliciosa e saudosista releitura de “A Insustentável Leveza do Ser”, especialmente comprado para a ocasião. Petrin Hill é um charmoso monte perto da cidade que oferece a chance de admirar de cima e de longe a beleza de Praga, em especial os fantásticos telhados vermelhos que são uma espécie de marca registrada da cidade.

Finalmente, ao sair de Praga, se você tiver sorte, ainda pode ter o privilégio que tive de tomar um vôo que me exigia estar no aeroporto às 6 da manhã. Isso vai te dar a chance de passear de táxi no centro da cidade vazia e te encorajar a pedir ao motorista para ir devagarzinho, a fim de que você possa curtir e ver com calma o que a multidão de turistas te impediu nos dias anteriores.