15 de junho de 2007

Washington, DC e Ricksgransen, Suécia - Glamour de viajar?

Washington, DC, EUA, 7 a 8 de junho de 2007
Riksgransen, Suécia, 11 a 14 de junho de 2007

Escrevi, outro dia, de maneira genérica, sobre a imagem de glamour que as pessoas têm sobre essas viagens de trabalho. Eu seria hipócrita se dissesse que todas elas são insuportáveis, que em algumas eu não vejo coisas bonitas, conheço gente interessante ou experimento comidas diferentes. Mas, no geral, são mesmo viagens de pouco prazer e muito trabalho, sem que haja muitas oportunidades para conhecer seja lá o que ou quem for. E minha viagem à remota Ricksgransen é um exemplo típico de como as coisas acontecem.

Saí de Brasília às 13:30, em direção a São Paulo, Congonhas. Em condições normais, o deslocamento do aeroporto local para o aeroporto internacional, cheio de malas, já é desagradável, mas esse dia era um feriado e o trajeto que normalmente é feito em 40 minutos levou duras horas e meia, o que já foi suficiente para me fazer chegar cansado e mal humorado em Guarulhos, onde tomaria o avião para Washington. Tão cansado que nem jantei no avião, apenas tomei meu infalível Dramin e capotei.

Viajar de classe econômica – carinhosamente conhecida como ‘cattle class’, ou ‘classe gado’ em português – não é exatamente confortável para quem tem altura ao menos mediana, de forma que cheguei ligeiramente quebrado por volta das 06h30min da manhã em Washington. Fui direto para o hotel, na esperança de que houvesse um quarto disponível para um bom e merecido banho, mas isso seria querer demais dos rígidos padrões de hotelaria americanos. Quarto, apenas depois do meio dia. Tomei um banho de gato e troquei de roupa no banheiro do hotel, larguei a mala na recepção e fui direto para a reunião.

A reunião durou o dia inteiro, inclusive com direito ao famoso ‘almoço de trabalho’ americano (um simples sanduíche) e, ao fim do dia, senti que uma poderosa gripe me derrubava. Foi uma boa oportunidade para fugir do já agendado jantar – novamente de trabalho – e voltei pro hotel, não sem antes passar numa daquelas fantásticas farmácias americanas, onde preparei o meu coquetel anti-gripe. Dormi bem cedo e bem. Tão bem que, entusiasmado com o remédio, tomei outra dose.

Descobri então que aqueles remédios antigripais que têm escrito ‘noite’ e ‘dia’, com fórmulas aparentemente idênticas, não eram puro marketing. Tomei, pela manhã, o tal do ‘noite’ e passei a manhã caindo de tanto sono, almocei caindo de sono e, ao fim do dia, ainda morrendo de sono, fui direto para o aeroporto, para regressar ao Brasil (isso mesmo, cheguei num dia e fui embora no outro). A motorista de táxi, uma indiana, quis me roubar na tarifa previamente acertada no hotel e isso rendeu uns bons e irritantes minutos de discussão na porta do aeroporto, até que se chegasse a um consenso. A essa altura, já irritado, a discussão tinha virado, para mim, uma questão de honra.

Na hora do check in, surpresa! Depois de a assistente muito procurar, sem sucesso, a minha reserva no sistema, sou informado que meu bilhete estava marcado para o dia seguinte. Depois de xingar até a 3ª geração de todas as pessoa que pudessem ter contribuído para o erro, comecei a infrutífera negociação com a moça da companhia que me informava que o único lugar disponível naquele vôo era na 1ª classe. Eu tinha um problema básico que fazia o meu embarque precisar ser feito naquele dia: outra viagem a trabalho que eu faria imediatamente em seguida. E foi assim que, revoltado, deixei no caixa da companhia a absurda quantia de U$ 1,200.00 (mil e duzentos dólares) para voltar numa 1ª classe das mais vagabundinhas, cujo custo não se justifica sob prisma algum.

Quando as coisas estão ruins, console-se... elas sempre podem ficar piores. Mesmo na primeira classe, não fiquei nem um pouco feliz com o atraso de quase duas horas na partida do vôo, atraso esse totalmente passado todo dentro do avião. Mas as coisas ainda podem ficar piores: quando cheguei em São Paulo, às 10:00 da manhã, já havia perdido o vôo das 9 para Brasília. E o próximo saía apenas, acredite, às 18 horas. Seriam oito horas no aeroporto que, naquela época, vivia o auge do apagão aéreo no Brasil, em que o caos imperava na aviação brasileira. Eu passaria essas intermináveis horas alternando entre o sono profundo e o trabalho, já de olho na viagem que faria no dia seguinte.

Mas podia ficar ainda pior. O vôo das 6 saiu apenas à meia noite, de forma que cheguei em casa apenas às duas da manhã. Foi o tempo de tomar um delicioso banho, cair na cama e, após uma noite mal dormida, me levantar e me preparar para a próxima viagem. Desfiz uma mala, fiz a outra e, poucas horas depois de chegar a Brasília, já estava novamente no aeroporto. Tinha uma longa jornada pela frente. Uma jornada que, incluídos todos os tempos de deslocamento e de espera em aeroportos, ia me tomar cerca de 30 horas até a remota cidadezinha de Riksgransen, no norte da Suécia, onde haveria a reunião chamada, sugestivamente, “Diálogo do Sol da Meia Noite”.

A trajetória incluiu 1h30m de Brasília a São Paulo, 4hs no aeroporto, 11hs de São Paulo a Munique, 2h30m de Munique a Estocolmo, 5hs no aeroporto, 2h30m de Estocolmo a Kiruna e, finalmente, 2 horas de ônibus de Kiruna a Riksgransen, onde chegamos por volta das duas horas da manhã, sob a forte luz do sol, que ainda brilhava nesse horário.

O sol da meia noite é um fenômeno que ocorre em altas latitudes norte, onde o sol continua visível por todo o dia, durante certo período do ano. A foto ao lado foi tirada às 22 horas. O número de dias por ano em que esse fenômeno se dá aumenta à medida que se viaje mais em direção ao pólo norte. Em Riksgransen, dura cerca de um mês. Muitos visitantes e turistas têm dificuldade em dormir durante a noite, quando o sol está brilhando. No meu caso, a longa jornada de viagem não me deu outra opção a não ser cair na cama e dormir. Mas quando, no meio da noite, me levantei para ir ao banheiro, com aquela natural sensação de “onde estou?” que me atinge na primeira noite em uma cidade, não pude conter o susto ao ver o sol lá fora e pensar que eu já estava atrasado para o trabalho. Nas próximas noites, prevenido, dormi sempre com uma máscara de olhos.

O sol da meia noite é realmente um fenômeno impressionante e, depois de uma jornada com tantos percalços, me senti feliz de estar ali, no meio do nada, observando, entre uma reunião e outra, o sol que nunca se punha (o hotel onde seria a reunião era totalmente isolado de qualquer civilização, apenas uma estação de esqui dominada por turistas durante o inverno).

Era verão, mas o frio era de 5 graus e as montanhas estavam cobertas de neve, apesar do sol permanente. Fiquei imaginando como seria o inverno nessa região onde, soube, a temperatura varia de -20 a -30 graus e há luz do dia apenas por cerca de uma hora, ao meio dia. A arquitetura do hotel era composta de diversos prédios entre os quais tínhamos que nos deslocar com freqüência, de forma que foram sucessivos choques térmicos ao longo dos dias, entre os 5 graus de fora e os muitos graus da calefação interna. Não foi por acaso que vários dos participantes logo estavam acometidos de gripe e dor de garganta.

Passado o deslumbramento, eu tive que lidar com o lado prático de um dia de 24 horas de sol. Em geral, logo após o jantar, quem tem vontade de ir pra cama com o sol brilhando? Nada melhor do que sair para uma boa caminhada pelas montanhas, à luz do sol, às 11 horas da noite. E foi na primeira dessas caminhadas, acompanhado por uma bela, doce e charmosa participante, já conhecida de outras reuniões, que senti uma gostosa sensação de encantamento. Uma boa conversa, um bom vinho, um cenário inebriante composto por lagos e montanhas, e o sol da meia noite brilhando de maneira insistente.

No dia seguinte, a reunião continua, apenas uma reunião como outra qualquer, diferente apenas no menu que, em todas as refeições, incluía as pobres renas, que minha mente costumou associar unicamente ao transporte do Papai Noel, nunca como prato principal. Não sei se foram elas, ou alguma outra das diferentes comidas que experimentei por lá, ou o cansaço de todos esses dias, mas me vi no dia seguinte sofrendo de uma dolorosa intoxicação alimentar. Eu acreditava que essas coisas só aconteciam na América Latina, na Ásia ou na África, não na Suécia. O ponto alto dessa intoxicação foi quando, depois do jantar, e em continuação à noite anterior, me vi no quarto da bela, doce e charmosa mulher e, antes que acontecesse qualquer coisa entre nós, tive que sair correndo para o meu quarto por medo de uma tragédia que seria traumatizante. Cômico, se não trágico!

No dia seguinte, teria início a longa jornada de regresso e, receoso que estava de encarar essas quase 30 horas de viagem no estado em que me encontrava, resolvi consultar o médico de plantão do hotel, que a recepcionista tão generosamente me ofereceu. O médico trocou umas quatro palavras comigo, me receitou um Imosec anti-diarréico e, prontamente, me apresentou uma conta de U$ 200.00. O susto quase me curou da intoxicação, mas o estrago estava feito. Quem mandou não perguntar nada e acreditar que aquele rapazinho com cara de recém saído da faculdade estava ali de graça esperando eu chegar?

O longo regresso, que já seria normalmente cansativo, foi agravado por dores, cólicas e mal estar. Quando finalmente cheguei em casa, depois de uma viagem que parecia não ter mais fim, olhei para trás e me perguntei o que exatamente havia acontecido de glamoroso em todos esses dias de viagem. Tá bom, eu tava num cenário maravilhoso, encantei-me com a moça bela, doce e charmosa, mas nem essas coisas pude aproveitar adequadamente. Foram quase dez dias de viagens seguidas, mais tempo em aviões, aeroportos e hotéis do que em qualquer outro lugar, e ainda tenho que convencer as pessoas que não há nada de glamour nisso tudo. Naquele dia, meu chuveiro, minha cama, meu travesseiro, minha casa, pareceram mais perfeitos do que em qualquer outro momento da minha vida. E acordei no dia seguinte sem sinais da intoxicação que havia me debelado na Suécia.